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A gravura desde o nascimento foi panfletária e democrática. Apesar de ser vista como menor, nunca se furtou de exercitar ferina crítica social, política, religiosa. Sua prática envolvia aptidão aliada a enorme paciência. Havia gente capaz de perceber as características de cada tipo de técnica de gravação. As peculiaridades que as diferenciam. As nuances que desvelam sua beleza, seu virtuosismo.

Até a década de noventa eram populares certames de gravura no mundo inteiro. Contavam-se às dezenas e se consolidavam como atrativos culturais e turísticos nos locais onde aconteciam. Fui selecionado em quase uma centena deles sendo premiado doze vezes.

Com o advento da internet, tudo mudou.

Bienais, trienais respeitadas de artes gráficas desapareceram como os dinossauros.

Continuo gravando de maneira ortodoxa, gravura em relevo e gravura calcográfica. A sua execução não é para os preguiçosos, os indolentes. O prazer sobrevive no próprio fazer, apesar da decepção de constatar o descaso a que a relegaram as pessoas, até mesmo as que deviam por dever de ofício conhecer e admirar a sua rica história e o talento e empenho daqueles que a construíram.

A ciência e a tecnologia podem dar uma sobrevida ao ato de gravar? Não sei a resposta. Por curiosidade venho explorando as possibilidades de criar imagens múltiplas através do desenho digital, feito em mesa digitalizadora ou tablet seguida pela manipulação do resultado em programas de edição. Encontrei encanto nesse jeito de trabalhar mesmo firme na crença de que a ele falta fôlego para superar a gravura tradicional.

Minha proposta de exposição no Museu das Minas e do Metal pretende mostrar o resultado dessas minhas experimentações. 

Retratos impertinentes em tempo indigente é uma coleção robusta de rostos intercalados por bustos, corpos inteiros e releituras do clássico tema do triunfo da morte criados digitalmente com o espírito de desenhos feitos a lápis e nanquim para serem exibidos impressos em tecido diáfano, em pvc e em animação videográfica projetada na parede.

O poder de trabalhar minúcias na mesa digitalizadora e no tablet, ampliando expressivamente o campo do desenho, os torna tão intrincados quanto minhas xilos de topo. Embora de alma minimalista têm em seu cerne essa profusão de linhas embaralhando o olhar atento.

São, essencialmente, rostos desenhados compulsivamente. São imaginários; não há modelo real que os inspire. São, na verdade, desenhos bizarros retratando gente estúpida. E por isso são impertinentes.

Fruto da obsessão de tentar entender o conturbado momento que agora vivemos. Pois apesar de toda a nossa ciência e tecnologia, a barbárie insidiosamente se apodera das nossas cidades e pior, das nossas mentes tornando indigente nosso tempo presente.

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