artes menores em tempo indigente
A gravura é uma modalidade de criação artística com capacidade de produzir obras seriadas. O artista trabalha em um suporte denominado matriz que pode ser de madeira, metal, acrílico e até digital, elaborando uma imagem. Quando pronta, ela passa por um processo de impressão que pode ser manual ou mecânico gerando várias cópias. O conjunto dessas cópias se chama tiragem; cada uma delas é assinada e numerada formando uma edição de gravuras. O fato de serem várias possibilita o barateamento de cada unidade e permite a difusão da imagem feita em um número grande de lugares. Por sua natureza peculiar, a gravura é considerada a mais democrática das artes.
Eram bastante comuns no mundo inteiro exibições de gravuras. Cidades nos mais diversos países tomavam a si a tarefa de organizar esses eventos que se inscreveram no calendário por se tornarem atrações culturais e turísticas.
O artista Márcio Pannunzio, de Ilhabela despachou suas gravuras para dezenas de países diferentes para figurarem nessas mostras. Participou de oitenta e sete, difundo a sua arte e o nome do Brasil e de Ilhabela internacionalmente. Conquistou prêmios em doze desses bastante concorridos certames, que se esmeraram para serem competições destacando o melhor da arte gráfica mundial.
A virada do século consolidou mudanças. As mostras de gravura minguaram. A arte, sob o impacto de novos tempos, colocou sob a luz dos seus holofotes eventos popularescos e outros de feição supostamente contemporânea e, geralmente, ininteligíveis. A gravura e também o desenho, que já eram vistos antes com algum desdém, foram escanteados.
A individual artes menores em tempo indigente mais que exibir obras, deseja ser um libelo contra essa situação. É a terceira exposição de Pannunzio no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba, considerado pelo artista o melhor espaço expositivo do Litoral Norte pelo profissionalismo da sua administração e por sua estrutura física. Logo no seu texto de apresentação, fixado na parede do Museu, Pannunzio destaca o mal estar da nossa época reconhecendo que são mesmo indigentes os nossos tempos: a despeito de tanto progresso material, abissal é a desigualdade social. A despeito de tanto conhecimento, enorme é a ignorância. A despeito da maior expectativa de vida, gigantesco é o tempo que desperdiçamos com bobagens, nos odiando e nos armando uns contra os outros.
Entre gravuras e desenhos, é de oitenta o total de quadros. A obra do artista, nas palavras de Maria Hirszman na Enciclopédia Itaú Cultural, exibe um preciosismo técnico e um detalhamento apurado, suas gravuras são marcadas por uma postura crítica em relação ao mundo. Muitas vezes contêm impactantes referências à violência física e sexual e à decadência e impotência do homem moderno diante do domínio da máquina e do consumismo.
serviço:
exposição artes menores em tempo indigente, desenhos e gravuras de Márcio Pannunzio no Museu de Arte e Cultura de Caraguatatuba.
de 15 de junho a 20 de julho de 2019
de terça-feira a domingo, das 10h às 18h
abertura no dia 15 de junho às 19h
Praça Dr. Cândido Motta, 72, Centro, Caraguatatuba, SP
tel. 3883 9188 e 3883 9980
email: museucaragua@gmail.com
Realização:
Museu de Arte Contemporânea de Caraguatatuba, Fundação Educacional e Cultural de Caraguatatuba e Prefeitura Municipal de Caraguatatuba
Apoio Cultural:
Arte Menor ( artemenor.art.br ), Arte no Litoral Galeria, Pimenta de Cheiro, Nova Imprensa e Hotel Atlântico Sul
Falar em "arte menor" é tolice. Arte é ideia, conceito; é imaterial. Não há como medi-la; inexiste fita métrica ou trena ou metro capaz de mensurar dimensões que vivem em sonhos. Por isso, apesar de pinturas, desenhos ou esculturas terem tamanho, é enganador pensar que um possa ser maior que outro. Tem quem pense que pode e então se diz que desenho e gravura são "artes menores".
O desenho, descoberta tão antiga, é desprezado justamente pelo fato de ser velho demais em um oceano de jovens artistas se estapeando não mais por um lugar ao sol em vitrine de galeria, mas pelo maior número de likes angariado por suas postagens pretensamente artísticas no facebook ou instagram.
A gravura então, num momento em que tudo se copia e se reproduz em velocidade espantosa, ainda que seja invenção bem mais recente que o desenho, é feito ele, injustamente esnobada.
O desenho, em sua desconcertante simplicidade, preserva a mesma magia que fascinou o homem antigo pelo seu poder de representar objetos, sensações, emoções. E mesmo agora um modesto desenho pode num instante nos comunicar uma infinidade de elementos capazes de nos falar sobre nosso mundo e sobre nós mesmos.
Na alquimia da gravura sobrevive seu encanto. Há de se ter paciência extraordinária para desbastar cirurgicamente a matéria construindo relevos impressos às dezenas na missão de democratizar a arte.
Se é equivocado afirmar que há arte menor, infelizmente não o é reconhecer que são mesmo indigentes os nossos tempos. A despeito de tanto progresso material, abissal é a desigualdade social. A despeito de tanto conhecimento, enorme é a ignorância. A despeito da maior expectativa de vida, gigantesco é o tempo que desperdiçamos com bobagens, nos odiando e nos armando uns contra os outros.
A despeito de não existir arte menor, é incontável a quantidade de pessoas, entre elas, artistas, marchands e críticos que acreditam que desenhos e gravuras são menores sim e por isso, debochadamente, o título dessa exposição o adota. Mas menor, sinceramente não é a minha gratidão pela boa vontade de quem a visita de coração aberto e mente desperta nesse nosso indigente tempo de celebração da insanidade.
Márcio Pannunzio/ 13 de maio de 2019