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Congada em tela: fotografias de Márcio Pannunzio se inscreve numa área da fotografia com enorme potencial no Brasil, mas que é pouco difundida. Que é o da fotografia documental. O projeto em pauta trata de destacar uma das riquezas culturais e plásticas do patrimônio imaterial ou intangível do povo brasileiro representado pelos saberes, festas e celebrações de um grupo específico, caiçara do Litoral Norte do estado de São Paulo que constitui a nossa sociedade. Estas manifestações, transmitidas de geração a geração por seus rituais e pela oralidade, são de importância fundamental para a formação de memórias e identidades desse grupo social. Márcia Merlo, antropóloga, por sua vez, assevera que "Quem passar por Ilhabela e não conhecer a Congada ou sua história não conheceu esse lugar por meio desta sua grande riqueza cultural - patrimônio de natureza imaterial." Congada em tela tem como objetivo primordial dar materialidade a esse patrimônio imaterial através de fotos de grande beleza cromática, fotos de caráter pictórico graças à experiência de Pannunzio como artista plástico que conquistou doze prêmios internacionais e vinte e três nacionais e foi incorporada com intensidade na sua prática fotográfica. Pretende criar e imprimir um catálogo com alta qualidade gráfica, capaz de perenizar o projeto muito além do tempo das exposições em três diferentes cidades paulistas. A par de realizar exposições encantadoras ao público por causa da beleza das fotografias de Pannunzio, deseja-se ir além, trazendo à ribalta o debate da escravidão e do racismo, debate esse fundamental para reparação de injustiças históricas e para a construção duma cidadania responsável. "Em outras palavras, ao realizarem a Congada e reverenciarem o Benedito, recriam-se identidades, restaura-se um outro tempo, retorna-se a um outro lugar, demonstra-se a inserção de uma parte da população negra em Ilhabela que se quer branca. O negro sobreviveu, e à imagem de Benedito relaciona-se a de um homem negro caridoso, perseguido, milagroso, aceito pelos brancos que resistiu aos maus-tratos e, mesmo morto, tornou-se eternizado; ou seja, também se pode pensar essa história como uma resistência calada, penosa, duradoura, representada pela própria escravidão." Fala de Márcia Merlo. "São Benedito é um santo negro, pobre e sua ocupação era a de cozinheiro. Por ser negro, pobre e trabalhador duma profissão vista pela maioria das pessoas como inferior, pois afinal, o santo não foi chef de restaurant ( em francês ) incensado pela Michelin, vive entre a brasileirada sempre excluída da água fresca e sombra sorvidas com tédio pela fidalguia nacional. Mais do que viver nesse inóspito meio, é o santo que a representa e lhe confere algum, ainda que muito pálido, pertencimento social." O trecho entre aspas acima, extraído de um artigo escrito na época da pandemia de Covid, "Mais um ano sem Congada", por Márcio Pannunzio na sua coluna de opinião no Nova Imprensa, lança luz sobre um fato que não tem como ser ofuscado pelo deleite que as suas fotos proporcionam e que subjaz em todas elas, dissimulado, porém sempre presente. Fato esse é que toda essa festa que congrega pessoas duma maneira ampla, sem barreiras, democrática, especialmente durante a ucharia, - que é quase sempre ocultada no registro do evento -, acontece como celebração, como ato de reverência religiosa a São Benedito e, por tabela, ao que ele representa no imaginário popular. A relevância e a pertinência da "Congada em Tela - fotografias de Márcio Pannunzio" transcendendo a sua natureza dum documento fotográfico prazeroso ao olhar, se inscreve como um bem-vindo estímulo ao debate urgente da necessidade premente do resgate de brasileiros e brasileiras marginalizados desde sempre ao longo da nossa história oficial de dominação e anulação de identidades e que tanto se prestaram à construção da nossa cultura e nação, do limbo a que foram relegados por um acordo social injusto e indigno. "Congada em Tela; fotografias de Márcio Pannunzio" , pois, além de ser relevante por proporcionar o espetáculo duma exposição fotográfica de grande encantamento por causa do olhar sensível do fotógrafo alinhado a sua técnica singular inspirada na sua vivência de artista plástico, é relevante por paralelamente estimular uma reflexão crítica que valorize o esforço de edificação duma sociedade inclusiva.

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