Pandemônio é um projeto de criação e divulgação artística retomando da memória o período temporal entre 2018 e 2023. Foram esses, anos de desmonte da cultura, da educação, da ciência, da saúde, das instituições da república, da civilidade, da política, da sanidade coletiva; anos de demolição do Brasil. Pandemônio tem fé no resgate da cidadania ultrajada; deseja que a vida se recomponha, que a vida enfim encontre um curso sadio. No entanto, Pandemônio não quer que essa história de pavor seja esquecida, ignorada, varrida pra debaixo do tapete.
Pandemônio quer entrar fundo na entranha alucinada desses flagrantes fotográficos capturados por Márcio Pannunzio, dum cotidiano de medo, agonia e assombro de maneira a produzir sob a sua inspiração, desenhos, gravuras e pinturas em profusão. Para depois mesclá-las, confundi-las; para com elas todas juntamente com as fotografias que as forjaram, desenhar e escrever a escrita da dor e a da indignação no desejo redentor de delas extrair toda a náusea e todo o seu absurdo horror para que essa náusea pare de nos atormentar e para que esse horror nunca mais nos violente.
Henrique Marques Samyn, escritor, poeta e professor de literatura da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, faz parte da equipe do projeto pandemônio, exercendo as funções de auxiliar na curadoria e a de escrever os textos que vão apresentá-lo no seu catálogo/ livro.
Henrique conhece de longa data a obra de Pannunzio, tanto nas artes plásticas quanto na fotografia. Recentemente, inspirado pela série disparates, escreveu o texto abaixo.
Disparate Trágico/ desenho digital/ Márcio Pannunzio
“Seja este o tempo dos disparates!” – como se o dissesse algum demiurgo entre gêmeas sombras (cuspindo as palavras entre os dentes cinzapodrecidos; e sobre as pernas saltando, esquivas e espessas como estranhos cipós; e estendendo sobre o mundo as longas unhas, cravando-nas na terra: como a lâmina que fende a pele), como se o dissesse algum demiurgo obscuro – e a vós que porventura o evocásseis, pergunto: com que propósito o faríeis, se vos movesse algum anelo que não o anseio pelo vazio?
“Seja este o tempo dos disparates!” – mas nunca, não havia um demiurgo: sempre que aos céus clamastes, apenas o silêncio ouvistes, turbador eco do nada – ressoando nos desvãos de vossas almas, nos poços escavados em rasos cérebros. O que, então, vos restou fazer? O que fizestes quando, submersos no estreito sorvedouro, fartos de olhar as paredes cobertas de lixo e lodo, decidistes seguir as sendas que se a abrem às superfícies?
Fez-se o rubro dos veios infectos: assim se coligiu o firmamento, quando as trilhas retornaram do sol distante – onde todas as esperanças se haviam dissipado entre as chamas desesperadas. E vós, recolhendo as ruínas abandonadas nos ninhos de serpentes, levastes as fétidas arcas aos artesãos que jaziam, defuntos, nos castelos submersos nos esgotos; e vós, em vozes lúgubres que soavam como os cantos de agônicas gárgulas, erguestes arcaicas súplicas; e eles vos escutaram.
E implorastes: “Ó solenes artífices de coisa alguma, ó graves obreiros da entropia, ó excelsos arquitetos da estupidez, atendei nosso clamor: forjai um ícone inútil, um nume de merda, um falso messias que possamos cultuar, feito de lixo e lodo, de escombros e entulhos, de caos e catástrofes!”
A isso vos entregastes, insensatos, e tudo arrastastes à hybris, e tudo conduzistes aos abismos, e tudo arremessastes no ofertório – onde ele, o deus que com mentiras fabricastes, faminto abria a boca insaciável: onde a garganta imensa, escancarada, o verbo proferiu entre os engulhos:
“SEJA ESTE O TEMPO DOS DISPARATES!”
Henrique Marques Samyn
Pandemônio através de várias exposições itinerantes, lançamento e distribuição de um longevo catálogo/ livro que, seguramente, nunca terá problema de hardware ou software e de um site homônimo repleto de informações, vai promover a aproximação das cidadãs e cidadãos às artes e proporcionar uma diversidade de experiências estéticas e artísticas. Estimulará uma ação de criação envolvendo uma variedade de linguagens das artes visuais e da fotografia que por sua vez, fomentará a formação de público em diversas cidades, público esse, incentivado à análise dos acontecimentos que tamanho infortúnio causaram à nação. Pandemônio vai valorizar a produção artística brasileira na sua dimensão econômica, contribuindo para o desenvolvimento da rede produtiva das artes e de seus agentes gerando renda e empregos no setor. Embora as exposições aconteçam em cidades paulistas, o fato de distribuir o catálogo/livro para o país inteiro e construir e manter atualizado e ativo por três anos o site do projeto, contribuirá para a ampliação do acesso e do desfrute de bens e serviços artístico-culturais em âmbito nacional.
Pandemônio proporcionará fruição estética consistente, duradoura e, singularmente, motivadora da reflexão crítica em defesa da tranquilidade política e do fortalecimento da democracia.